sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ausência


 Vinícius de Moraes

* No dia 19 de outubro de 2013, Vinícius de Moraes faria 100 anos. O ''poetinha'', como ficou conhecido, nos deixou imortais canções e belíssimas obras escritas.
Entre os seus mais lindos e inspiradores poemas, eis um dos meus favoritos:


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Posso escrever os versos mais tristes esta noite

 (Pablo Neruda)


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo:
"A noite está estrelada, e tiritam, azuis, 
os astros, ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Eu a quis, e às vezes ela também me quis... 
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços. 
A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito. 
Ela me quis, às vezes eu também a queria. 
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi. 
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. 
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. 
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. 
Minha alma não se contenta com tê-la perdido. 
Como para aproximá-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo. 

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. 
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos. 
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento. 

Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.